quarta-feira, 26 de setembro de 2018

“A complexidade fenomenológica entre o eleitor e o voto” por Tosta Neto


O pleito eleitoral de 2018 encontra-se marcado por muitas tensões. Há quatro anos, testemunhou-se a eleição mais suja da história republicana do Brasil. Os arautos do otimismo anunciaram que as turbulências passariam, mas as tensões políticas permaneceram e foram amplificadas de forma incomensurável. Em meio ao caos político que o Brasil está chafurdado, o voto poderia ser um meio para amainar a mixórdia que paira no ar. O voto é um dos ícones da democracia, elevado ao status de transmutação sociopolítica, contudo, as mazelas imersas no sistema eleitoral brasileiro diluem o poder do voto. Não é tão simples a análise deste fenômeno, pois o voto em si traz um fardo de complexidade.
No Estado Democrático de Direito, por intermédio do voto, o povo escolhe seus representantes. O ato de votar não é apenas um ato político, por conseguinte, há uma intencionalidade que foge do escopo estritamente eleitoral. No plano ideal, o voto é uma atitude alicerçada na racionalidade, cujo eleitor escolhe os representantes mais preparados. Todavia não estamos na República de Platão. O eleitor é movido por um turbilhão de emoções que destroça a suposta racionalidade do voto. Raramente, o eleitor se debruça na análise meticulosa dos planos de governo de cada candidato e, no final, escolhe aquele que tem segundo o seu crivo o melhor projeto. Por mais que Apolo tenha vencido Dionísio na batalha de formação do Ocidente, o ser humano constantemente flerta com o deus da embriaguez.
Numa eleição, as pessoas ficam à flor da pele. A temática política fica em evidência nos bate-papos presenciais e virtuais. Comumente, os candidatos são posicionados à categoria de semideuses, ocorrendo um “esquecimento” de partes negativas das trajetórias políticas em questão. Olvida-se: inexperiência em gestão, improbidade administrativa, apadrinhamento político, declarações polêmicas, etc. Diante do quadro descrito acima, conclui-se que o voto também é um ato carregado de subjetividade, logo, critérios como simpatia por um partido ou ideologia e identificação pessoal, acabam por influenciar no ato de votar. Traçando uma analogia com a fenomenologia de Husserl, suscita-se uma intencionalidade entre a consciência do indivíduo (eleitor) e o fenômeno (voto). A intencionalidade do voto evade do script da razão.
O voto é uma miríade de sensações que resiste à qualquer análise simplória e reducionista. O maior símbolo da democracia precisa passar por uma reflexão que abarque uma série de fatores. O voto personifica a vontade individual; não necessariamente essa vontade perpassa pelos anseios da nação. Os candidatos eleitos simbolizam a soma de vontades individuais. Ademais, as vontades dos eleitos também não coadunam aos interesses do país. Numa “república bananeira” como a nossa, o político não faz jus à noção grega de política (bem comum). A vontade individual suplanta a vontade geral. Categoricamente, a relação entre o eleitor e o voto alinha-se à complexidade fenomenológica, logo, o analista de conjuntura política necessita elencar circunstâncias subjetivas que favoreçam a compreensão do fenômeno do voto. Todo ato humano traz consigo uma intencionalidade; é obvio que o ato de votar não fugiria desta máxima.
Aguardemos a consumação do pleito eleitoral de 2018. Independentemente do resultado, a priori, teremos um farto repertório a ser analisado. Apesar do avanço oriundo com a aplicação da Lei da Ficha Limpa e dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, as velhas raposas políticas continuam distribuindo as cartas no tabuleiro eleitoral. A República do Brasil está com a estrutura carcomida, cujo sistema dificulta a renovação dos quadros políticos. O “velho” insiste em permanecer na conjuntura eleitoral. Subsequente ao resultado das eleições e à tímida renovação dos nossos representantes, uma vez mais, será mister considerarmos a complexidade fenomenológica entre o eleitor e o voto.


Tosta Neto, 26/09/2018  

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