quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

"Ilhas Sociais dos Zumbis" por Tosta Neto


O mundo contemporâneo, como qualquer período histórico anterior, tem suas complexidades singulares. Seguindo o trem da história, os padrões de comportamento estão a mudar. O processo de mudança na sociedade é deveras lento, logo é um equívoco interpretar que o ciclo de transformações nos tempos hodiernos siga um ritmo frenético. A mudança é moldada paulatinamente no cotidiano numa perspectiva de longuíssima duração. Todavia, no século XXI, a internet trouxe a percepção de velocidade alucinante das mutações. É lógico que não se deve questionar o acesso fácil e rápido à informação, condição sine qua non que promoveu um imensurável choque na sociedade.
Outrora, a humanidade sempre se deparara com conjunturas factuais impactantes. Imagine no Paleolítico, quão fora espantoso para o homem o domínio do fogo? E o assombro dos europeus quando chegaram à América? E a revolução sem precedentes promovida pela instalação de máquinas na produção? Subsequente à Terceira Revolução Industrial, a humanidade foi confrontada com uma gama vasta de informações na tela de um reles aparelho de celular. É indubitável que uma parcela significativa da sociedade não teve força, quiçá sapiência, para desfrutar com equilíbrio das benesses da internet. Presencia-se o surgimento duma geração dependente das redes sociais, cujo qualquer pormenor da vida pessoal deve ser compartilhado. As postagens são instantâneas, portanto, é mister que os outros saibam da rotina do internauta.
Os fatalistas pós-modernos costumam bradar que o ser humano jamais estivera tão submerso numa crise existencial. O autor que vos escreve até concorda com a problemática supracitada, porém esse fenômeno não é uma exclusividade do ser humano contemporâneo. Desde os nossos ancestrais, o vazio da existência (status coadunado à solidão) compõe a essência humana. Traçando um paralelo com a mitologia grega, tudo que existe surgira do Khaos – que é o próprio vazio – por conseguinte, o homem sempre trouxe, traz e trará consigo o fardo do vazio existencial. No Terceiro Milênio, incontáveis internautas tentam aliviar esse vazio com publicações que demonstram situações, na maioria esmagadora das vezes, de felicidades intensas. O internauta dependente cria um personagem que vive no mundo alternativo ideal rebuscado de alegria e bem-aventurança.
Entende-se que é mui normal tentar amainar o vazio existencial. Uns, escolheram o itinerário da arte, outros, a via da religião, alguns se enveredaram às redes sociais. Vale tudo para angariar uma grande quantidade de curtidas: fotos que exaltam a cerveja como uma divindade; “reflexões” do senso comum sobre quaisquer assuntos; defesa apaixonada de políticos corruptos; piadas vazias de futebol; relatos pormenorizados sobre o final de semana, etc. O autor deste singelo artigo já testemunhou cenas curiosas, entre as quais, quatro jovens numa mesa de bar, ao invés do diálogo entre si, cada um sugado pelo seu sacro smartphone; não efetuei pré-julgamento: talvez estivessem a ler artigos jornalísticos de renomados colunistas ou assistindo vídeos de filosofia, economia e literatura. É aquela velha máxima, parafraseando uma canção de Guilherme Arantes: “Meu celular e nada mais”.
Eis a questão: onde a humanidade chegará? Ainda é cedo para responder. O fato é que o uso desenfreado e doentio do celular transformou o indivíduo num zumbi, incapaz de apreender o mundo ao seu redor. A vida está passando e madrugadas a fio são consumidas. Não importa o local e o horário, é preciso estar on-line 48 horas por dia. Ficar off-line traz ansiedade, portanto, vasculha-se desvairadamente qualquer redentor vestígio de Wi-Fi. Às vezes, o zumbi fica tão desatento que nem consegue responder uma trivial pergunta do amigo ao lado, pois a sua consciência está agrilhoada ao celular. Cada zumbi se encontra ilhado numa bolha solitária.
As Ilhas Sociais dos Zumbis são insossas, palcos de exacerbado marasmo que levam os sentidos para o estágio de abissal dormência. Nestas ilhas não se sente o calor do sol, não se ouve o canto dos pássaros, não há tête-à-tête, inexiste a fragrância das flores... Tragicamente, os zumbis caminham de forma passiva para o precipício do mundo virtual. O tempo é atroz e imparável. A vida é muito fugaz. Zumbi, acorde, levante-se, ainda há tempo para regressar ao mundo real e viver a vida em máxima plenitude.

Tosta Neto, 01/02/2018 
 

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