segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Como Alckmin e Marina entraram 'grandes' na eleição e saíram 'nanicos'


Durante a corrida eleitoral, Geraldo Alckmin e Marina Silva viram seu número potencial de eleitores cair a cada pesquisa de intenção de voto.
Apesar do prognóstico negativo que já se desenhava pelo Datafolha e Ibope, o desempenho dos dois nas urnas neste domingo foi ainda pior do que se esperava - e os resultados os deixaram com votações mais próximas daquelas registradas entre os candidatos "nanicos".
Em seu terceiro pleito seguido à Presidência, Marina Silva (Rede) teve 1% dos votos, ficando atrás de João Amoêdo (2,5%) e Cabo Daciolo (1,26%). Já o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, uma das principais lideranças do PSDB, conseguiu apenas 4,76% dos votos.
Em corridas passadas, ambos tiveram resultados muito melhores. Contra a ex-presidente Dilma Rousseff, Marina ficou com 21% dos votos em 2014, quando passou de vice a candidata depois que o cabeça de sua chapa, Eduardo Campos (PSB), morreu em um acidente aéreo.
Também há quatro anos Alckmin ganhava no primeiro turno a eleição para governador em São Paulo, com uma votação duas vezes maior do que a deste domingo.
O que aconteceu de lá para cá? Os tempos são outros, respondem duas cientistas políticas entrevistadas pela BBC News Brasil. Segundo elas, hoje nomes são muito mais importantes do que partidos políticos - a exemplo de Jair Bolsonaro -, é preciso definir-se sobre temas polêmicos e denúncias de corrupção não passam batido.
Marina e Alckmin teriam pecado em um ou mais desses pontos e sofreram por isso.

Alckmin

No caso do presidente do PSDB, sua campanha foi "cheia de erros", diz a professora Maria do Socorro Braga, coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos Latino-americanos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Ela cita a proximidade da sigla com o mal avaliado governo de Michel Temer e as denúncias de corrupção que o ex-governador não conseguiu silenciar durante a campanha, como a "máfia da merenda", esquema de superfaturamento no fornecimento de alimentos que ocorreu durante a gestão tucana e foi citado por opositores em debates.
Tudo isso teria marcado a candidatura como "mais do mesmo".
"Há um cansaço do eleitorado paulista em relação a essas administrações", diz.
Braga menciona o "eleitorado paulista" porque o alcance de Alckmin seria restrito. Por não ter ocupado cargos de projeção nacional, como ministro ou senador, ele permaneceria um ilustre desconhecido para parte da população.
"Ele não tem a projeção necessária e não é carismático. Em nível nacional, o que pegou foi o apoio do PSDB ao atual governo Temer. Eles tentaram se desvincular, mas não conseguiram."
Ligado à impopular gestão Temer e envolvido nas denúncias da Lava Jato, a máquina partidária do PSDB teria sucumbido ao personalismo dominante nestas eleições.
Para a cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara de Souza Telles, a Lava Jato criminalizou todos os partidos tradicionais em favor de "personalidades midiáticas". Neste cenário, ter o peso da legenda não foi um trunfo, mas um obstáculo para Alckmin.
"As máquinas partidárias forma derrotadas e o eleitor votou em nomes antissistema. É uma eleição em que novos atores, como igrejas evangélicas e candidatos midiáticos, transformaram o cenário eleitoral. Eles conseguiram converter seu potencial midiático e religioso em potencial político."
Cabo Daciolo (Patriota), que teve poucos segundos de tempo de propaganda eleitoral e pouca exposição em comícios - ele ficou quase metade do tempo da campanha isolado em montes, segundo relatou -, pode ser um exemplo desse fenômeno. Evangélico fervoroso, cujo bordão é "Glória a Deus", passou Marina com 1,3 milhão de votos.
Já Alckmin, além de não ter conseguido fugir do sistema, teria falhado em apresentar algo novo em suas propostas, diz Telles. O programa do tucano, ela argumenta, não conseguiu diferenciar suas ideias das de Jair Bolsonaro em termos econômicos, por exemplo.
"Quando o mercado decidiu apoiá-lo, Bolsonaro mudou o discurso, falou de privatização. Alckmin não conseguiu mostrar no que seria diferente."
Outra falha da campanha teria sido focar seus esforços na televisão, veículo no qual o PSDB tinha mais tempo do que qualquer outra sigla, deixando de lado as redes sociais. De acordo com a professora da UFMG, neste pleito, o WhatsApp e o Facebook foram muitos mais revelantes do que o horário eleitoral.
Com quase com metade do tempo total de TV, ele viu seu índice estagnar ao redor de 9% desde fins de agosto - até chegar a 7% no sábado antes da votação. Nas urnas, teve 4,76% dos votos válidos.

Marina

Denúncias de corrupção não pesaram sobre a candidata da Rede.
O que mais a atrapalhou, dizem as cientistas políticas entrevistadas, foi ela mesma. Vista como uma terceira via entre PT e PSDB nas eleições de 2010 e 2014, quando somou 19% e 21% dos votos, respectivamente, Marina amargou um 8º lugar neste ano.
Ela já vinha caindo nas pesquisas de intenção de votos desde fins de agosto, quando marcava 16%. A última pesquisa Datafolha mostrava que ela tinha 3% da preferência do eleitorado. No domingo, recebeu 1% dos votos válidos.
Telles e Braga usam a mesma palavra para descrever o que deu errado: ambiguidade.
Elas dizem que Marina se apresentou como uma candidata ambígua, sem posições contundentes, num período em que os brasileiros desejavam posturas firmes. Evangélica, a ex-ministra disse que vetaria a legalização do aborto caso o tema fosse aprovado no Congresso, mas convocou as mulheres a votarem nela, assumindo um discurso de matizes feministas.
Sem sair de cima do muro, Marina teria confundido - e afugentado - o eleitor.
"Estamos num período de polarização, em que os partidos se colocam. Marina não ficou claramente nem à direita nem à esquerda, e o público queria um posicionamento. Bolsonaro é da direita radical, Haddad é da esquerda. Onde fica Marina?", diz a professora da UFMG.
Telles diz que, em 2015, já escrevia sobre como tal ambiguidade poderia derrotar a candidata. Na última campanha, diz, Marina teve o apoio dos evangélicos de um lado e dos jovens de outro, mas, por serem grupos tão distintos, ela precisaria escolher um deles para não perder ambos. Não foi o que aconteceu.
"Ela passou quatro anos fora da mídia e depois não se posicionou em um cenário polarizado. Aborto, impeachment, golpe, Lula: ela nunca responde às perguntas."
A derrocada da ex-ministra seria um sinal de um esvaziamento das opções de centro na política brasileira, papel exercido pelo PMDB nas últimas décadas. Braga, da UFSCar, diz que, em um ambiente de extremos, o país estaria deixando de lado essas forças intermediárias, importantes eixos de equilíbrio.
"Toda democracia precisa desse eixo, para haver menos conflitos."

Futuro

Com resultados tão fracos neste ano, Alckmin e Marina precisarão rever suas carreiras políticas, afirmam as entrevistadas.
Braga prevê que o tucano deve perder força dentro do PSDB, com grupos como o de João Doria, atual candidato ao governo de São Paulo ganhando espaço na sigla. Com 31,77% dos votos, Doria vai disputar o segundo turno com Márcio França. Em 2016, ele foi eleito prefeito de São Paulo no primeiro turno, com 53,29% dos votos válidos.
Nesse cenário, Alckmin pode concorrer a postos de menor destaque no futuro, como deputado federal, ou usar a boa votação que teve como governador para concorrer a cargos majoritários caso consiga manter sua liderança na legenda.
Já para Marina, a aposta da professora é que ela tente algo no Acre, seu Estado natal, dado que seu afastamento do PT a impede de assumir um ministério em um eventual governo de Fernando Haddad. Em 2014, Marina apoiou a candidatura de Aécio Neves (PSDB) contra Dilma Rousseff.
Braga diz que, se não der uma guinada transformadora, a Rede pode desidratar e tornar-se cada vez menos relevante.
"O pessoal sabe que a Rede está minguada em termos políticos, vários deputados saíram. Passa uma imagem de fragilidade, de fraqueza."

(Fonte: BBC News)

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