segunda-feira, 25 de março de 2019

UNIVERSIDADES USAM “LARANJAS” PARA DESAFIAR O MEC NA LISTA TRÍPLICE PARA REITOR, AFIRMA COLUNISTA


Ao longo dos próximos quatro anos, todas as 68 universidades federais brasileiras vão realizar eleições para reitor. Cada uma delas vai apresentar ao Ministério da Educação uma lista com três nomes, com a sugestão de que o primeiro da lista seja o escolhido. Essas escolhas vão formar um grande desafio para o governo Bolsonaro: o ministro da Educação não é obrigado a nomear o primeiro nome da lista, mas, nas raríssimas vezes em que Brasília contestou a decisão das instituições, encontrou forte resistência. O desafio já começou. Nos últimos dias, duas instituições elegeram seus reitores: a Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), do Mato Grosso do Sul, e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). São as primeiras a realizar a escolha em 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro. Ambas simplesmente descartaram de suas listas os candidatos derrotados na votação realizada entre alunos, professores e servidores. Apresentaram apenas o vencedor do pleito, e dois outros nomes ligados a ele, "laranjas". Um terço para cada Desde 1995, a legislação determina que os conselhos das universidades federais escolham três nomes para o cargo de reitor. A lei exige que 70% dos postos do conselho seja formado por professores. Mas, na prática, o que acontece desde então é que as instituições realizam "eleições abertas", geralmente com um terço do peso dos votos para alunos, um terço para funcionários e um terço para professores. E o conselho apenas ratifica a consulta interna. Para coibir essa prática, em dezembro passado, ainda sob a gestão de Michel Temer, o MEC lançou a nota 400/2018, que reforça a orientação de 1995. O governo Bolsonaro parece disposto a levar adiante essa postura de insistir para que as universidades federais formem suas listas, de fato, com 70% de participação dos docentes. A UFGD e a UFRB realizaram eleições, com um terço dos votos para cada categoria. Na sequência, o conselho formou a lista tríplice constando apenas o nome do vencedor do pleito e duas outras pessoas de seu grupo – uma forma de impedir o governo federal de recusar a escolha concretizada pela eleição ao selecionar o nome de um dos candidatos derrotados. Em nota divulgada em seu site oficial, a UFGD informa a proporção da eleição: “A escolha para os dirigentes na Universidade foi paritária, ou seja, o voto dos três segmentos teve o mesmo peso”. No dia 21 de março, o conselho formou a lista tríplice, encabeçada pela vencedora da eleição interna: Etienne Biasotto para reitor e Claudia Lima para vice-reitora. Mas os outros dois candidatos, Liane Calarge e Joelson Pereira, não foram incluídos na lista a ser enviada a Brasília. Participantes excluídos “O pedido dos sindicatos é que somente a chapa vencedora seja considerada pelo colégio eleitoral. Neste caso, é uma chapa que pertence a uma administração antiga, que permaneceu mais de dez anos na universidade e havia sido derrotada na eleição anterior”, afirma Joelson Pereira, que ficou em terceiro lugar na votação. “Duas pessoas vinculadas ao grupo do vencedor foram inscritas na instância do Colégio Eleitoral e foram eleitas para compor a lista tríplice”. Em resposta ao pedido de informações da Gazeta do Povo, a assessoria da UFGD se manifestou: “A paridade entre docentes, técnicos administrativos e estudantes ocorreu durante a consulta prévia. Concluído o processo, o resultado segue para o Colégio Eleitoral, que é formado com base nos diretrizes da LDB, 70% para o seguimento dos docentes e máximo de 15% para cada um dos outros dois segmentos que compõem a comunidade universitária (técnicos e discentes). A Reitoria da UFGD, com base no parecer de sua Procuradoria Federal, conclui que a paridade adotada no procedimento da consulta prévia é válida”. Situação semelhante aconteceu na UFRB, na Bahia, com a diferença de que um dos candidatos derrotados, José Fernandes de Melo Filho, pediu em Brasília, no último dia 20, a abertura de um processo administrativo ao MEC. “Fiquei em segundo lugar em um processo marcado por uma série de erros que contrariam as normas regimentais e os princípios da legalidade determinados pela legislação federal que disciplina o processo de composição da lista tríplice para indicação do reitor”, ele afirma. “Combinaram votos” “Até esta eleição tanto a direção da universidade quanto as associações de classes dos professores, servidores e discentes sempre defenderam o resultado da consulta informal como referência para composição da lista tríplice. Faziam isso como parte de um cenário preparado para simular um processo democrático”, afirma José Fernandes de Melo Filho. “Desta vez, meu nome foi retirado da lista tríplice por uma armação que desqualifica o exercício democrático e o nosso conselho, que foi montado e concebido para perpetuação dos atuais mandatários, os quais estão no poder há exatos 14 anos”. A vencedora da votação, Georgina Gonçalves, encabeça a lista. Mas José Fernandes, o único concorrente, foi excluído. “A lista tríplice deveria conter o nome da outra candidata, o meu nome e um terceiro. Eles então inscreveram dois nomes do mesmo grupo, que não participaram da consulta, combinaram votos e me deixaram fora”, acusa José Fernandes de Melo Filho. “O mais grave é que os outros dois nomes são de pessoas que integram o conselho universitário, foram cabos eleitorais e pediram votos para a candidata principal”. Em apoio ao candidato excluído, um grupo de nove professores enviou ao MEC uma nota de repúdio, em que afirma: “As universidades federais, a partir do início desse século, deixaram de seguir a legislação que trata da escolha de dirigentes (...), em razão de um pacto entre as corporações sindicais e os professores que ambicionam funções de dirigentes. (...) Consideramos necessário que este processo seja anulado e que nova consulta seja realizada”. O professor Amílcar Baiardi, que encabeça a lista de signatários da nota, assim resume a escolha da reitora: “A lista tríplice saiu com dois laranjas e a candidata oficial”. E questiona o método de escolha dos reitores no país: “Não existe universidade do mundo que tenha um processo seletivo semelhante ao do Brasil. Geralmente a escolha é resultado de processos internos do acompanhamento dos professores que mais se destacam em suas áreas e no ambiente da universidade”. A UFRB se manifestou via assessoria de imprensa: “A sessão extraordinária do Conselho Universitário (Consuni) que tratou da composição da Lista Tríplice para nomeação do Reitor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) aconteceu no dia 27 de fevereiro de 2019 e seguiu todas as determinações da legislação vigente”. Novos fronts Nos próximos meses, outras instituições escolherão novos reitores, incluindo: Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Procurado, o MEC não se manifestou.

por Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo / edição Outro Olhar Amargosa

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