quinta-feira, 4 de abril de 2019


   
    São 7h00 da manhã. Raios solares trespassam a copa das árvores. Aglomerado de gente com fardamento branco. Uns dialogam entre si, outros “conversam” com o próprio celular. Ecoa no ar a típica alegria irresponsável dos adolescentes. O sino toca. O portão é aberto. A tsunami juvenil adentra o espaço escolar. Em meio à balbúrdia, Roberto e Érica seguem pelo corredor principal do Colégio Machado de Assis:
    – Boa aula para você.
    – Obrigada! Para você também – responde Érica. 
    – Te vejo no intervalo.
    – Combinado.
    Roberto estava no 3º ano do Ensino Médio, Érica, no 2º. Os dois são bastante introspectivos. Em termo de humanidade, esqueçamos a sentença “os opostos se atraem”, outrossim, os semelhantes se atraem. Roberto e Érica tinham entre si um carinho imensurável. A hora do intervalo tocou:
    – Como foi a aula de História? – indaga Roberto.
    – Boa. O professor iniciou a discussão do capítulo sobre a Revolução Francesa.
    – Eu gosto deste assunto. Na minha turma, o professor concluiu a Segunda Guerra Mundial.
    – Não sei nada sobre este assunto. É difícil?
    – Um pouquinho.
    – Vou pesquisar uns vídeos no YouTube.
    – Uma dica: procure o documentário A Segunda Guerra Mundial vista do espaço.
    – Grata pela dica.
    – Ótimo documentário. Show de bola. Falando em bola, vou ali na quadra jogar um pouco.
    – Vá Meu Bem! – despedem-se com um discreto selinho.
    Notoriamente, a vida é imprevisível. Incontáveis variáveis dificultam a consumação de qualquer projeto. A existência é o próprio mistério. Existir é estar submerso no mar das incertezas. Ninguém está além da imprevisibilidade existencial. Mas, a chegada da noite é previsível. A noite emerge e Roberto ruma para casa de Érica...
    – Érica. Érica.
    – Entre Meu Bem!
    – Boa noite Amor! Tudo bem contigo?
    – Tudo. Vamos ficar um pouco aqui na sala.
    – Certo. Como estão teus pais?
    – Bem. Acabaram de ir para missa.
    Uma voz desconhecida “quebra” o diálogo do casal:
    – Érica. Venha aqui. Estou precisando de tua ajuda.
    – Quem está aí? – Roberto pergunta num tom de surpresa.
    – Minha irmã Paula.
    – Certa vez, você falou vagamente sobre ela.
    – Paula mora na França. Veio passar uns dias aqui conosco. Ela está de férias do trabalho.
    – Érica. Venha logo! – brada Paula.
    – Estou indo irmã. Roberto, um minutinho.
    – Fique à vontade.
    Roberto ficou estático, absorvido pelos seus pensamentos. Talvez relembrando a aula sobre a Segunda Guerra Mundial, ou quem sabe, refletindo sobre o significado da existência. Reflexão interrompida...
    – Roberto. Minha irmã Paula.
    – Prazer – ela estende a mão para Roberto.
    – Prazer – responde o garoto meio sem graça.
    Um silêncio reina na sala. Como diria o saudoso Nelson Rodrigues: “um silêncio ensurdecedor”. Ninguém tomava a iniciativa da conversa.
    – Roberto, fique à vontade. Érica, vou tomar banho.
    – Vá irmã.
    Quando chegou em casa, Roberto correu para o quarto, pulou na cama e falou para si mesmo: “nossa! Que mulher linda! Corpo esbelto, cabelos longos e pretos, pele morena, educada e charmosa. Tenho a cunhada mais bonita do mundo. Que mulher! Que mulher!”
    Depois de Paula, Roberto ficou ainda mais motivado a ir na casa de Érica. Nas noites subsequentes, o diálogo entre os três ficou mais fluido. O garoto comentava com frequência:
    – Érica, tua irmã é gente boa!
    – É sim.
    O encantamento de Roberto foi cedendo espaço à tristeza. Aproximava-se a data do regresso de Paula para França. Certa madrugada, extenuado pela insônia, um número desconhecido surgiu no seu WhatsApp:
    – Oi. Aqui é Paula.
    – Oi Paula. Tudo bem? – digita Roberto com afobação. Coração trêmulo diante do inesperado.
    – Estou bem.
    – Que bom.
    – Quero te conhecer melhor.
    – Como assim?
    – Não entrarei em detalhes. Espere-me amanhã, neste mesmo horário, na pracinha defronte a tua casa.
    – Combinado!
    – Até amanhã. Beijinhos.
    – Até. Beijos.
    Ainda incrédulo, Roberto tentava decifrar as intenções da cunhada até ser tragado pelo sono. O dia passou como uma lesma. A cada segundo devorado por Cronos, aumentava a ansiedade do garoto. A madrugada chega. O WhatsApp indica uma nova mensagem. De imediato, Roberto visualiza:
     – Estou passando aí.
     – Certo! – na ponta dos dedos, Roberto foi para o jardim.
     Um carro preto com vidros escuros desponta na esquina. Para. O vidro desce:
     – Entre! – ordena Paula.
    Nervoso e coração acelerado, Roberto entra no carro. Depois de um fugaz silêncio, Paula questiona:
     – Você não vai perguntar aonde vamos?
     – Aonde vamos mesmo?
     – Ao paraíso...
    Ilha urbana. Cama de casal. Roupas pelo chão. Espelho no teto. Respirações ainda ofegantes...
     – Você me deixou em êxtase!
     – Não me surpreendo. Sou boa nisso!
     – Amanhã, você estará voltando à França. Ficarei aqui sendo torturado por essas calorosas lembranças.
     – Pois é. Como diriam os franceses: c’est la vie.

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