Inestimável
leitor, há tempos intencionava escrever um texto sobre esta temática tão
hermética, porém só agora o fiz. O impulso da escrita surgiu a partir da
intrigante, genial e exigente série da Netflix Dark. O fato é que o Tempo é
um dos principais problemas filosóficos. Ampliemos o leque e atingimos a
humanidade, submersa e angustiada em reflexões acerca da fugacidade temporal. O
Tempo é extrassensorial e
terrivelmente fugidio: ele sempre escorre das nossas impotentes mãos. Não
podemos vê-lo, senti-lo ou tocá-lo, porquanto a sua essência é inapreensível. O
Tempo está além da concretude que
permeia o mundo, é implacavelmente imparável e não nos concede a possibilidade
de segunda chance. Apesar de ser imaterial por excelência, o tempo incide na
existência humana. Qualquer ato ou gesto do indivíduo tem como baliza a
temporalidade. O Tempo da Natureza e
o Tempo Cronológico são “entes”
onipresentes que nos alertam de forma ininterrupta: “o tempo está passando”.
Tradicionalmente,
o Tempo está dividido em três
dimensões: passado, presente e futuro. A
priori, não pretendo efetuar uma análise temporal consoante as Leis da
Física, mas atrevo-me a dialogar com uma reflexão do gênio Albert Einstein, a
qual, enfatiza que a diferença entre passado, presente e futuro é uma mera
ilusão. A dinâmica temporal nos aflige, pois é algo que não podemos prever,
manipular e controlar. O Tempo é mui
arredio! Não conseguimos apreender a passagem do tempo. Quando eu acabar de
escrever este parágrafo já faz parte do passado. O presente imediato não tem a
mínima extensão. O passado não pode ser alterado. O futuro é uma incógnita
indecifrável, a própria personificação do mistério. Quiçá, a imprevisibilidade
seja o principal componente do futuro. Quando o amanhã chega (talvez nunca
chegue), de imediato é transformado no hoje e, sem delongas, o hoje já faz
parte do ontem. Simplesmente, passado, presente e futuro são dimensões inseparáveis.
No
Ocidente, sobretudo por causa da influência da tradição judaico-cristã, é
perceptível o império do Tempo Linear.
A existência foi concebida no Gênesis
e será consumada no Apocalipse. Eis
os limites claros entre passado, presente e futuro. O passado é encarado como
um elemento distante, inócuo e morto, isto é, desprovido da capacidade de
interferência no presente; citemos aquele famoso adágio: “quem vive de passado
é museu”. A humanidade caminha para frente e cada passo efetuado nos sinaliza
que estamos mais próximos do fim dos tempos. No Tempo Linear, o Alfa e o Ômega estão postos na mesma mesa, cuja
culminância será o Juízo Final.
Sigamos
a nossa caminhada pela temporalidade. Doravante, refletiremos sobre o Tempo Circular, uma perspectiva temporal
diametralmente antagônica ao Tempo Linear.
Alguns filósofos exploraram a temporalidade em círculo, entre os quais,
Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger. No desenrolar da história do
pensamento, os filósofos se debruçaram infatigavelmente no exame da temática em
questão. No Tempo Circular, não se
distingue com limpidez o início, o meio e o fim. Qualquer ponto do círculo pode
ser o princípio ou o final. Diferentemente do Tempo Linear, no Tempo
Circular o passado é uma força vivaz que dialoga com o presente. O
pretérito não é um sarcófago faraônico ou um papiro apagado da história,
outrossim, é uma dimensão temporal criativa que interfere no presente imediato.
O futuro está deveras imerso nos fatos passados e presentes. Por sinal, a série
Dark coaduna-se ao princípio de Tempo Circular. Aproveitando o ensejo, a
personagem Charlotte Doppler cita nominalmente o conceito de Eterno Retorno em Nietzsche, cuja
temporalidade segue um movimento cíclico.
O
Eterno Retorno não é um conceito
exclusivo da filosofia nietzschiana. Anteriormente ao icônico e extemporâneo
filósofo alemão, os estoicos e Eudemos de Rodes (discípulo de Aristóteles)
abordaram o conceito supracitado. Nietzsche não afirmou de forma categórica que
o Eterno Retorno era cientificamente
demonstrável, não obstante este nos concede a possibilidade de êxito na vida,
por conseguinte, se estabelecermos o estilo certo às nossas vidas,
comprovaremos com prazer o seu retorno. Eis a questão: se um ato for positivo,
por que não repeti-lo? Obviamente, algo bom na nossa vida pode ser enveredado
ao retorno. Na obra-prima do pensador da Alemanha do século XIX, Assim Falava Zaratustra, o voo circular
da águia é uma metáfora do Eterno Retorno.
Ademais, por ter sido um crítico contumaz da instituição cristã, é evidente que
Nietzsche não adotaria a concepção de Tempo
Linear.
Insofismavelmente,
qualquer discussão sobre o Tempo jamais
se esgotará. O Tempo é uma temática
central nos estudos filosóficos, além de ser um eixo imprescindível da
existência. Por mais que o indivíduo esteja distraído na inautenticidade das ocupações, ele forma a sua essência sem olvidar
a temporalidade. Como diria Heidegger: o ser do indivíduo dá-se no tempo. Na
humanidade, absolutamente nada escapa das garras do tempo. É válido enfatizar
que cada religião tem a sua maneira particular de lidar com o tempo. As
religiões abraâmicas têm como paradigma o Tempo
Linear. Já no Hinduísmo tem-se uma temporalidade fundamentada na ótica
cíclica. Mais cedo ou mais tarde, todo ser humano ficará angustiado perante o
fenômeno do tempo. Enfim, se quisermos compreender a humanidade não devemos
perder o horizonte do tempo.
(Tosta Neto, 27/09/2020)
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