domingo, 27 de setembro de 2020

TEMPO LINEAR, TEMPO CIRCULAR E O ETERNO RETORNO EM NIETZSCHE (TOSTA NETO)

 

Inestimável leitor, há tempos intencionava escrever um texto sobre esta temática tão hermética, porém só agora o fiz. O impulso da escrita surgiu a partir da intrigante, genial e exigente série da Netflix Dark. O fato é que o Tempo é um dos principais problemas filosóficos. Ampliemos o leque e atingimos a humanidade, submersa e angustiada em reflexões acerca da fugacidade temporal. O Tempo é extrassensorial e terrivelmente fugidio: ele sempre escorre das nossas impotentes mãos. Não podemos vê-lo, senti-lo ou tocá-lo, porquanto a sua essência é inapreensível. O Tempo está além da concretude que permeia o mundo, é implacavelmente imparável e não nos concede a possibilidade de segunda chance. Apesar de ser imaterial por excelência, o tempo incide na existência humana. Qualquer ato ou gesto do indivíduo tem como baliza a temporalidade. O Tempo da Natureza e o Tempo Cronológico são “entes” onipresentes que nos alertam de forma ininterrupta: “o tempo está passando”.

Tradicionalmente, o Tempo está dividido em três dimensões: passado, presente e futuro. A priori, não pretendo efetuar uma análise temporal consoante as Leis da Física, mas atrevo-me a dialogar com uma reflexão do gênio Albert Einstein, a qual, enfatiza que a diferença entre passado, presente e futuro é uma mera ilusão. A dinâmica temporal nos aflige, pois é algo que não podemos prever, manipular e controlar. O Tempo é mui arredio! Não conseguimos apreender a passagem do tempo. Quando eu acabar de escrever este parágrafo já faz parte do passado. O presente imediato não tem a mínima extensão. O passado não pode ser alterado. O futuro é uma incógnita indecifrável, a própria personificação do mistério. Quiçá, a imprevisibilidade seja o principal componente do futuro. Quando o amanhã chega (talvez nunca chegue), de imediato é transformado no hoje e, sem delongas, o hoje já faz parte do ontem. Simplesmente, passado, presente e futuro são dimensões inseparáveis.

No Ocidente, sobretudo por causa da influência da tradição judaico-cristã, é perceptível o império do Tempo Linear. A existência foi concebida no Gênesis e será consumada no Apocalipse. Eis os limites claros entre passado, presente e futuro. O passado é encarado como um elemento distante, inócuo e morto, isto é, desprovido da capacidade de interferência no presente; citemos aquele famoso adágio: “quem vive de passado é museu”. A humanidade caminha para frente e cada passo efetuado nos sinaliza que estamos mais próximos do fim dos tempos. No Tempo Linear, o Alfa e o Ômega estão postos na mesma mesa, cuja culminância será o Juízo Final.

Sigamos a nossa caminhada pela temporalidade. Doravante, refletiremos sobre o Tempo Circular, uma perspectiva temporal diametralmente antagônica ao Tempo Linear. Alguns filósofos exploraram a temporalidade em círculo, entre os quais, Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger. No desenrolar da história do pensamento, os filósofos se debruçaram infatigavelmente no exame da temática em questão. No Tempo Circular, não se distingue com limpidez o início, o meio e o fim. Qualquer ponto do círculo pode ser o princípio ou o final. Diferentemente do Tempo Linear, no Tempo Circular o passado é uma força vivaz que dialoga com o presente. O pretérito não é um sarcófago faraônico ou um papiro apagado da história, outrossim, é uma dimensão temporal criativa que interfere no presente imediato. O futuro está deveras imerso nos fatos passados e presentes. Por sinal, a série Dark coaduna-se ao princípio de Tempo Circular. Aproveitando o ensejo, a personagem Charlotte Doppler cita nominalmente o conceito de Eterno Retorno em Nietzsche, cuja temporalidade segue um movimento cíclico.

O Eterno Retorno não é um conceito exclusivo da filosofia nietzschiana. Anteriormente ao icônico e extemporâneo filósofo alemão, os estoicos e Eudemos de Rodes (discípulo de Aristóteles) abordaram o conceito supracitado. Nietzsche não afirmou de forma categórica que o Eterno Retorno era cientificamente demonstrável, não obstante este nos concede a possibilidade de êxito na vida, por conseguinte, se estabelecermos o estilo certo às nossas vidas, comprovaremos com prazer o seu retorno. Eis a questão: se um ato for positivo, por que não repeti-lo? Obviamente, algo bom na nossa vida pode ser enveredado ao retorno. Na obra-prima do pensador da Alemanha do século XIX, Assim Falava Zaratustra, o voo circular da águia é uma metáfora do Eterno Retorno. Ademais, por ter sido um crítico contumaz da instituição cristã, é evidente que Nietzsche não adotaria a concepção de Tempo Linear.

Insofismavelmente, qualquer discussão sobre o Tempo jamais se esgotará. O Tempo é uma temática central nos estudos filosóficos, além de ser um eixo imprescindível da existência. Por mais que o indivíduo esteja distraído na inautenticidade das ocupações, ele forma a sua essência sem olvidar a temporalidade. Como diria Heidegger: o ser do indivíduo dá-se no tempo. Na humanidade, absolutamente nada escapa das garras do tempo. É válido enfatizar que cada religião tem a sua maneira particular de lidar com o tempo. As religiões abraâmicas têm como paradigma o Tempo Linear. Já no Hinduísmo tem-se uma temporalidade fundamentada na ótica cíclica. Mais cedo ou mais tarde, todo ser humano ficará angustiado perante o fenômeno do tempo. Enfim, se quisermos compreender a humanidade não devemos perder o horizonte do tempo.

(Tosta Neto, 27/09/2020)

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