sábado, 6 de abril de 2024

O SER HUMANO É CRIADOR OU CRIATURA?

Para o leitor apressado, a questão apresentada no título deste artigo, talvez não faça o mínimo sentido, em contrapartida, se fizermos uma reflexão teológica e filosófica, alcançaremos respostas instigantes. Por natureza, o ser humano é ambíguo, logo transita entre os polos elencados no título. É válido enfatizar que ao longo do desenvolvimento textual, apresentaremos uma perspectiva pouco usual da humanidade.

Tendo como horizonte a tradição judaico-cristã, Deus é o Criador por excelência; somente Ele tem o dom excelso da criação. A potência divina é imensurável, cuja exclusividade incide na vocação de criar qualquer coisa do nada; basta o eco do Verbo para que a criatura seja corporificada. O verdadeiro criador é tão somente aquele que tem a condição de ser ato puro e criar algo que traz em si a potência.

Os conceitos em negrito no parágrafo anterior nos conduzem diretamente ao grandioso Aristóteles. Na Filosofia Aristotélica, tudo está em movimento, inclusive a substância das coisas. O ente é ao mesmo tempo ato (aquilo que é) e potência (o vir a ser). Ilustre Leitor, para facilitar a compreensão, citarei um exemplo clássico: a semente em ato é semente, todavia a semente em potência tem a possibilidade de ser árvore.

Notadamente, qualquer ente é ato e potência, porque está suscetível ao movimento. Consoante o pensamento aristotélico, todo movimento tem como causa primeira o Motor Imóvel; tal conceito é ato puro, nada pode movê-lo e ao mesmo tempo ele move todas as coisas, por conseguinte, se não fosse puro e perfeito, poderia ser movido. A propósito, na Idade Média, precisamente no século XIII, o mestre Tomás de Aquino fez um paralelo entre o Motor Imóvel e Deus.

Em Aristóteles, não existe um nada que gerou todas as coisas, pois tudo que existe se conecta à primeira causa em ato puro, que é o Motor Imóvel. Nesta perspectiva, a criatura não surge do nada, destarte, o ser humano não tem o poder de criar algo do próprio nada. O processo criativo do ser humano tem como ponto de partida a matéria-prima; nós não partimos do zero para criar alguma coisa, assim, sempre precisaremos de uma matriz que nos seus primórdios tem vínculo com o Motor Imóvel.

A argumentação exposta acima nos remete ao conceito de subcriação de J.R.R. Tolkien, autor célebre do clássico O Senhor dos Anéis. Logicamente, para Tolkien, o homem é subcriador, porque sua criação se baseia em algo que foi criado anteriormente. Apesar de estarmos desprovidos da capacidade de criação pura, somos seres privilegiados, porque subjaz na nossa natureza a potência de subcriar.

Inestimável Leitor, voltemos à tradição judaico-cristã. Indubitavelmente, entre todos os seres criados por Deus, o ser humano tem um status diferenciado e significativo, corroborado por duas premissas:

1. Javé nos concedeu o dom da razão e o livre-arbítrio;

2. “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1:27). As Sagradas Escrituras são enfáticas: nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus.

Tais prerrogativas posicionam a humanidade numa condição especial que traz consigo um senso de responsabilidade no conjunto da existência. Enfim, não devemos ter conosco um sentimento de superioridade, pois a natureza nos lembra de forma ininterrupta que somos apenas criaturas e subcriadores.

(Tosta Neto, 06/04/2024)

 

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