sábado, 14 de junho de 2025

AS ILHAS SOCIAIS DOS ZUMBIS

O mundo contemporâneo, como qualquer período histórico anterior, tem suas complexidades singulares. Seguindo o trem da história, os padrões de comportamento estão a mudar, cujo processo de transformação na sociedade é deveras lento. A mudança é moldada paulatinamente no cotidiano numa perspectiva de longuíssima duração, todavia no século XXI, a internet trouxe a percepção de velocidade alucinante das mutações. Por conseguinte, atesta-se o acesso fácil e rápido à informação, condição sine qua non que promoveu um imensurável choque na sociedade.

Outrora, a humanidade sempre se deparara com conjunturas factuais impactantes. Imagine no Paleolítico, quão fora espantoso para o homem o domínio do fogo? E o assombro dos europeus quando chegaram à América? E a revolução sem precedentes promovida pela instalação de máquinas na produção? Subsequente à Terceira Revolução Industrial, a humanidade foi confrontada com uma gama vasta de informações na tela de um reles aparelho de celular. É indubitável que uma parcela significativa da sociedade não teve força, quiçá sapiência, para desfrutar com equilíbrio das benesses da internet. Presencia-se o surgimento duma geração dependente das redes sociais, cujo qualquer pormenor da vida pessoal deve ser compartilhado. As postagens são instantâneas, portanto, é mister que os outros saibam da rotina do internauta.

Os fatalistas pós-modernos costumam bradar que o ser humano jamais estivera tão submerso numa crise existencial. O autor que vos escreve concorda com a problemática supracitada, porém esse fenômeno não é uma exclusividade do ser humano contemporâneo. Desde os nossos ancestrais, o vazio da existência (status coadunado à solidão) compõe a essência humana. Traçando um paralelo com a mitologia grega, tudo que existe surgira do Khaos – que é o próprio vazio – assim, o homem sempre trouxe, traz e trará consigo o fardo do vazio existencial. No Terceiro Milênio, incontáveis internautas tentam aliviar esse vazio com publicações que demonstram ocasiões, na maioria esmagadora das vezes, de felicidades intensas. O internauta dependente cria um alter ego que vive no mundo alternativo virtual rebuscado de alegria e bem-aventurança.

Entende-se que é extremamente normal tentar amainar o vazio existencial. Uns, escolheram o itinerário da arte, outros, a via da religião, alguns se enveredaram às redes sociais. Vale tudo para angariar uma grande quantidade de curtidas: fotos que exaltam a cerveja como uma divindade; “reflexões” do senso comum sobre quaisquer assuntos; defesa apaixonada de políticos corruptos e personalistas; piadas vazias de futebol; postagens sobre o final de semana etc. O autor deste singelo artigo já testemunhou cenas curiosas, entre as quais, quatro jovens numa mesa de bar, ao invés do diálogo entre si, cada um estava sugado pelo seu sacro smartphone; não efetuei um pré-julgamento: talvez estivessem a ler artigos jornalísticos de renomados colunistas ou assistindo vídeos de filosofia, economia e literatura. É aquela velha máxima, parafraseando uma canção de Guilherme Arantes: “Meu celular e nada mais”.

Eis a questão: onde a humanidade chegará? Ainda é cedo para responder. O fato é que o uso desenfreado e doentio do celular transformou o indivíduo num zumbi, incapaz de apreender o mundo ao seu redor. A vida está passando e madrugadas a fio são consumidas. Não importa o local e o horário, é preciso estar on-line 48 horas por dia. Ficar off-line traz ansiedade, portanto, vasculha-se desvairadamente qualquer redentor vestígio de Wi-Fi. Às vezes, o zumbi fica tão desatento que nem consegue responder uma trivial pergunta do amigo ao lado, pois a sua consciência está agrilhoada ao celular. Cada zumbi se encontra ilhado numa bolha solitária.

As Ilhas Sociais dos Zumbis são insossas, palcos de exacerbado marasmo que levam os sentidos para o estágio de abissal dormência. Nestas ilhas não se sente o calor do sol, não se ouve o canto dos pássaros, não há tête-à-tête, inexiste a fragrância das flores... Tragicamente, os zumbis caminham de forma passiva para o precipício do mundo virtual. O tempo é atroz e imparável. A vida é muito fugaz. Zumbi, acorde, levante-se, ainda há tempo para regressar ao mundo real e viver a vida em sua plenitude.

(Tosta Neto - * Texto postado em 01/02/2018 e republicado em 14/06/2025)

 

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