quarta-feira, 20 de maio de 2020

ANÁLISE DO LIVRO “100 REFLEXOS DE MIM” DO POETA JORGE C. SANTANA


A priori, o título do livro é deveras enigmático e concebe reverberações acerca das intenções do autor. O termo reflexo revela uma percepção do indivíduo sobre determinada coisa, literalmente um reflexo da projeção da realidade no eu-lírico. 100 Reflexos de Mim pode sugerir vagamente 1 centena de poesias, em contrapartida, sinaliza que não intenta refletir quando o leitor se depara com a sonoridade do título do livro: 100 [sem] Reflexos de Mim. O leitor precipitado, sem a devida leitura prévia, talvez conclua: “esse livro de poesia é uma autobiografia”. Este que vos escreve fizera uma leitura meticulosa de 100 Reflexos de Mim e, apesar de resquícios biográficos, a obra suplanta o universo do autor, proporcionando ao leitor uma série de reflexões sobre o itinerário da existência. 100 Reflexos de Mim é uma obra existencial e está desconectada dos devaneios do idealismo. Jorge Santana nos apresenta o mundo de forma realista num tom brandamente pessimista.
Várias composições poéticas da obra exploram a temática da solidão. O leitor se identifica à solidão do eu-lírico, mas não é aquele tipo lânguido e depressivo da 2ª Geração do Romantismo (Mal do Século), outrossim, a solidão é exposta secamente como uma condição existencial da humanidade. Eis uns versos pontuais da poesia O banquete:

O garçom solidão
Serve a adorável refeição
Salpicada com amargura
E uma doce casa vazia

O eu-lírico está sozinho, tal qual um Robinson Crusoé submerso nas amarguras da existência. O estado solitário tem o poder de purgar, é algo vívido que objetiva atingir a plenitude do ser.
Jorge Santana nos concede um mundo lírico rebuscado de rimas e versos diretos reflexivos, mas não prenuncia no horizonte a expectativa em prol de dias melhores. O poeta tem os pés no chão e não se ilude com quimeras utópicas. A realidade é dissecada de forma nua e crua sem os floreios das idealizações. Escutemos o poeta nos versos de Protagonista:

Tudo fica sempre pelo meio
Não existe ápice, não há fim
Entretanto tudo termina de forma breve
Com o mesmo vazio dentro de mim

A vida é fugaz e incompleta. A apoteose da existência jamais será consumada. O ser humano é impotente, encontra-se ajoelhado perante a brevidade da vida, aguardando inconscientemente ser devorado pelo vazio existencial.
O universo de 100 Reflexos de Mim é um amálgama de pessimismo e sensações. Visualiza-se um pessimismo desprovido de esperança, contudo, não se vislumbra um desprezo pela vida ou um status mental de antecipar o fim da existência. O pessimismo em Jorge Santana está sobrecarregado de realismo:

Felicidade é vã utopia para mim.
Porém, para não parecer tão pessimista, digo:
“Meu quarto,
Silêncio e o teu abraço.”
Tal indefinição deve servir.

O eu-lírico, uma vez mais, não é seduzido pelo “canto da sereia” da felicidade sensorial, por conseguinte, suscita a evasão ao estado de soledade que é acometido melancolicamente pela chaga da indefinição.
Os versos do poeta exalam sensações que transcendem o âmbito do eu-lírico. O leitor se sente afetado por palavras cheias de imagens e sentidos. Sombras do teu corpo transborda sensualidade:

O esboço deste corpo
Acende-se no prazer
Carne e espírito
Perdem-se em você.

O autor mergulha em fontes sensoriais, cujo corpo transpira prazer, ofuscando a dicotomia Carne e espírito. Com muita destreza vocabular, transpõe-se à escrita os desejos mais recônditos do ser, além de desvelar a natureza dupla do ser humano, que é um ser intermediário entre a espiritualidade e a matéria.
Insofismavelmente, 100 Reflexos de Mim é uma explosão de sensações, ideias e reflexões. Ao longo da obra, é categórica a influência do concretismo de Paulo Leminski e do lirismo de Vinícius de Moraes. A musicalidade também é um elemento vivaz na obra, haja vista a exaltação do violão enquanto companheiro inseparável e a citação de versos musicais. Ademais, Jorge Santana explora uma concepção temporal psicológica:

Quando você gostar de alguém 
Perceberá que 40min é pouco tempo
Quando se vai longe em prol de um sorriso

100 Reflexos de Mim proporciona uma leitura agradabilíssima, concedendo ao leitor questionamentos enveredados aos problemas existenciais que afligem a humanidade. O leitor divaga no lirismo dos versos, todavia, instantaneamente, acaba sendo arremessado nos porões da fria e inclemente realidade. O solitário indivíduo embarca em O voo do roedor:

Por vezes 
Me sinto um rato
Ensinando uma águia
A voar
Buscando sentido
Nas teorias
Que andei roendo
Por porões quaisquer
Consumidos pelo tempo
E por outros de mim.

(Tosta Neto, 20/05/2020)

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