A
priori,
o título do livro é deveras enigmático e concebe reverberações acerca das
intenções do autor. O termo reflexo revela uma percepção do indivíduo sobre
determinada coisa, literalmente um reflexo da projeção da realidade no eu-lírico. 100 Reflexos de Mim pode sugerir vagamente 1 centena de poesias, em
contrapartida, sinaliza que não intenta refletir quando o leitor se depara com
a sonoridade do título do livro: 100 [sem] Reflexos de Mim. O leitor precipitado,
sem a devida leitura prévia, talvez conclua: “esse livro de poesia é uma
autobiografia”. Este que vos escreve fizera uma leitura meticulosa de 100 Reflexos de Mim e, apesar de
resquícios biográficos, a obra suplanta o universo do autor, proporcionando ao
leitor uma série de reflexões sobre o itinerário da existência. 100 Reflexos de Mim é uma obra
existencial e está desconectada dos devaneios do idealismo. Jorge Santana nos
apresenta o mundo de forma realista num tom brandamente pessimista.
Várias composições poéticas da obra
exploram a temática da solidão. O leitor se identifica à solidão do eu-lírico,
mas não é aquele tipo lânguido e depressivo da 2ª Geração do Romantismo (Mal do Século), outrossim, a solidão é
exposta secamente como uma condição existencial da humanidade. Eis uns versos
pontuais da poesia O banquete:
O
garçom solidão
Serve
a adorável refeição
Salpicada
com amargura
E
uma doce casa vazia
O eu-lírico está sozinho, tal qual
um Robinson Crusoé submerso nas
amarguras da existência. O estado solitário tem o poder de purgar, é algo
vívido que objetiva atingir a plenitude do ser.
Jorge Santana nos concede um mundo
lírico rebuscado de rimas e versos diretos reflexivos, mas não prenuncia no
horizonte a expectativa em prol de dias melhores. O poeta tem os pés no chão e
não se ilude com quimeras utópicas. A realidade é dissecada de forma nua e crua
sem os floreios das idealizações. Escutemos o poeta nos versos de Protagonista:
Tudo
fica sempre pelo meio
Não
existe ápice, não há fim
Entretanto
tudo termina de forma breve
Com
o mesmo vazio dentro de mim
A vida é fugaz e incompleta. A
apoteose da existência jamais será consumada. O ser humano é impotente,
encontra-se ajoelhado perante a brevidade da vida, aguardando inconscientemente
ser devorado pelo vazio existencial.
O universo de 100 Reflexos de Mim é um amálgama de pessimismo e sensações.
Visualiza-se um pessimismo desprovido de esperança, contudo, não se vislumbra
um desprezo pela vida ou um status mental de antecipar o fim da existência. O
pessimismo em Jorge Santana está sobrecarregado de realismo:
Felicidade
é vã utopia para mim.
Porém,
para não parecer tão pessimista, digo:
“Meu
quarto,
Silêncio
e o teu abraço.”
Tal
indefinição deve servir.
O eu-lírico, uma vez mais, não é
seduzido pelo “canto da sereia” da felicidade sensorial, por conseguinte,
suscita a evasão ao estado de soledade que é acometido melancolicamente pela
chaga da indefinição.
Os versos do poeta exalam sensações
que transcendem o âmbito do eu-lírico. O leitor se sente afetado por palavras
cheias de imagens e sentidos. Sombras do
teu corpo transborda sensualidade:
O
esboço deste corpo
Acende-se
no prazer
Carne
e espírito
Perdem-se
em você.
O autor mergulha em fontes
sensoriais, cujo corpo transpira prazer, ofuscando a dicotomia Carne e espírito. Com muita destreza
vocabular, transpõe-se à escrita os desejos mais recônditos do ser, além de
desvelar a natureza dupla do ser humano, que é um ser intermediário entre a
espiritualidade e a matéria.
Insofismavelmente, 100 Reflexos de Mim é uma explosão de
sensações, ideias e reflexões. Ao longo da obra, é categórica a influência do concretismo de Paulo Leminski e do lirismo de Vinícius de Moraes. A musicalidade
também é um elemento vivaz na obra, haja vista a exaltação do violão enquanto
companheiro inseparável e a citação de versos musicais. Ademais, Jorge Santana
explora uma concepção temporal psicológica:
Quando
você gostar de alguém
Perceberá
que 40min é pouco tempo
Quando
se vai longe em prol de um sorriso
100
Reflexos de Mim
proporciona uma leitura agradabilíssima, concedendo ao leitor questionamentos
enveredados aos problemas existenciais que afligem a humanidade. O leitor
divaga no lirismo dos versos, todavia, instantaneamente, acaba sendo
arremessado nos porões da fria e inclemente realidade. O solitário indivíduo
embarca em O voo do roedor:
Por
vezes
Me
sinto um rato
Ensinando
uma águia
A
voar
Buscando
sentido
Nas
teorias
Que
andei roendo
Por
porões quaisquer
Consumidos
pelo tempo
E
por outros de mim.
(Tosta Neto, 20/05/2020)
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