segunda-feira, 10 de agosto de 2020

CANDIDATOS A VEREADOR: OS SALVADORES DA PÁTRIA (TOSTA NETO)

 UNIVERSIDADE: enquanto região se mobiliza em torno de um "sonho ...

No Contrato Social, clássico da Filosofia Política, Rousseau delineia que o Legislativo é o mais sagrado dos Três Poderes; o argumento do iluminista suíço é pontual, porquanto são as leis que regem o Estado Democrático de Direito, ademais os Três Poderes devem ser fiéis aos ditames da Constituição. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles salientara que o legislador deve inspirar o cidadão a fazer o bem; também enfatizara que a boa constituição é aquela que está harmonizada com os anseios do povo. No renomado Do Espírito das Leis, Montesquieu teorizou a divisão do poder em três instâncias, cujo Legislativo tem como prerrogativa a nobre tarefa de legislar, engendrar as leis. Notoriamente, no âmbito municipal, o edil apresenta projetos de lei e fiscaliza as ações governamentais do Executivo. A essência deste singelo parágrafo só reforça a tese o quão é importante o cargo de vereador.

De quatro em quatro anos, seres inspirados pelos deuses da simpatia emergem no meio de nós, meros mortais. Estes seres emanam uma aura de compromisso supremo à cousa pública. Vossas pegadas e digitais são espelhadas nas redes sociais: semblantes ostentam risos artificiais e promessas vazias e generalistas. Ilustríssimo Leitor, adivinhe de quem estou falando! Sim. Eles mesmos. Os candidatos a vereador! Que por sinal são muitos ou quase incontáveis. Alguns, anteriormente ao período eleitoral, não demonstram a mínima curiosidade sobre política; desprovidos de serviços prestados à sociedade, têm a audácia ou o cinismo de prontificar-se ao pleito eleitoral. Uma das mais significativas heranças dos gregos não pode ser banalizada, porém aqui no Brasil, que ainda é uma “República Bananeira”, o verdadeiro sentido da palavra política foi corrompido de forma exacerbada, cujo título eleitoral é a única prerrogativa exigida para ser candidato. Neófitos e aventureiros infestam o âmbito político, fator que revela o baixo nível da carcomida democracia brasileira.  

Doravante, analisaremos com certa meticulosidade as propostas dos candidatos à vereança. A priori, visualiza-se um conteúdo genérico. Eis uma proposta que virou clichê: “vou lutar pela saúde e educação”; se o eleitor fizer uma inquirição, quiçá não ouça uma resposta convincente. Outro jargão: “chegando lá, vou fazer diferente”; se for eleito, repetirá ou potencializará as mazelas da “velha política”. Esse bordão também é ótimo: “sou o candidato do povo”. No desenrolar da campanha, o povo se transforma num fetiche de diversos candidatos. Até fora do período eleitoral, virou “modinha” ser um paladino do povo. Sinceramente, “povo” é uma oca abstração que massifica os indivíduos, camuflando as suas verdadeiras necessidades. O projeto propositivo desses candidatos despertaria até a inveja de um presidenciável. Certas propostas são surreais e evadem do escopo de atuação do edil. É quase uma regra geral empunhar o estandarte da saúde e educação, não obstante é mister mensurar se as proposições são aplicáveis e condizentes ao papel do legislador municipal. Para fim de conversa ou de parágrafo, é incumbência do vereador: legislar e fiscalizar o Executivo.

As conversas dos candidatos são “bonitas” e sugerem um desprendimento em relação ao atraente salário de vereador, além de aparentarem um amor incomensurável à causa pública. Todo esse discurso encontra-se no plano da superficialidade, um simplório capricho falacioso constituído de recursos sofísticos. Essas figuras lendárias clamam pela diminuição salarial, todavia, caso sejam eleitos, lá no âmago, ficariam felicíssimos com o recrudescimento da remuneração mensal. Uma vez mais recorro à Ética Aristotélica, que atribui um exemplo de inspiração ao legislador, por conseguinte, os eleitores têm grande responsabilidade na escolha de seus representantes na Câmara Municipal. O cidadão poderia ser criterioso ao enveredar o voto para um candidato, mas é notório e compreensível que o ato de votar não é um exercício essencialmente racional. Em si, o voto tem uma miscelânea de convicções pessoais e componentes afetivos. Sejamos justos, o voto passional não é uma exclusividade da democracia brasileira.

Incontestavelmente, o eleitorado é imprescindível na correção de vícios recorrentes na história republicana. O olhar atento do eleitor deveria ter uma constância ao longo do mandato de seus representantes, embora uma parcela significativa da população limite-se ao direito do voto. A eleição finda-se e os eleitos caem no ostracismo da memória coletiva. Em pleno século XXI, o nefasto clientelismo ainda é uma praga presente nas eleições, sobretudo em cidades pequenas. O comércio de votos já deveria ter sido extirpado da nossa democracia; candidatos mal-intencionados utilizam o subterfúgio supracitado para angariar votos, se bem que os atores envolvidos nesta peça cômico-trágica negam com veemência o famoso “toma lá dá cá”. Quantos vereadores e prefeitos foram eleitos com este estratagema? Inúmeros! Enfim, quando analisamos o discurso e as propostas, somos induzidos a concluir que os candidatos a vereador são os autênticos e verdadeiros salvadores da pátria.

(Tosta Neto, 10/08/2020)


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