domingo, 12 de fevereiro de 2023

DESEJAMOS AQUILO QUE NÃO TEMOS (TOSTA NETO)

Não sei o porquê, mas resolvi escrever este artigo sobre um tema tão hermético. Talvez a minha verve pela produção escrita tenha me impulsionado a compô-lo. Acabei encontrando uma justificativa mais plausível: este que vos escreve é um ser humano movido pela chama incessante do desejo, suscitando o anseio para redigir tal texto. Ao longo da história da filosofia, diversos pensadores se debruçaram na árdua definição do ser humano. Podemos delimitar aqui, dois marcos conceituais: do animal político de Aristóteles até o animal simbólico de Ernst Cassirer. Obviamente, o ser humano é um ser em construção, o projeto inacabado que jamais terá uma conclusão.

Prezado Leitor, nas minhas quatro décadas de existência (recorte temporal curtíssimo), pude observar uma miríade de questões que afligem e definem a humanidade, e deparei-me com uma tônica: o desejo. Nutrido pelo horizonte da observação empírica, afirmo: o homem é um ser que deseja. O desejo é um componente imprescindível para revelar em parte o mistério que cerca a humanidade. Desejo é uma palavra latina, oriunda do termo desidium. Recorramos ao Caudas Aulete: “Desejo (substantivo masculino), vontade, anseio ou ambição por alguma coisa”. De maneira deveras clara, o desejo é uma força que instiga o ser a atingir determinado fim. Simplesmente, qualquer ato humano tem o tentáculo do desejo; estamos diante de um fenômeno atemporal e universal. Tais argumentos nos levam a cunhar o conceito de homo desidium.

No itinerário existencial, o homem tenta de forma consciente ou inconsciente, consolidar um projeto de vida, porém percebe que essa empreitada não é finalizada. As ações humanas carregam em si a companhia inseparável do desejo; no cotidiano, tal máxima é mais evidente. Por exemplo: ao acordar, desejo tomar café, ao terminar, já estou desejando o almoço; quando a noite desponta, anseio pela janta. Nesta perspectiva, percebemos um movimento cíclico, uma espécie de looping temporal. Não tem jeito: o ser humano sempre deseja alguma coisa. Presentemente, tenho como desejo escrever este artigo, mas após a publicação, surgirá a vontade de engendrar outro texto. Então, somos induzidos a asseverar que desejamos aquilo que não temos.

O homo desidium, logicamente, não consegue livrar-se da sede inesgotável do desejo. Como abordamos acima, qualquer ato humano está imiscuído da carga do desejo. Quando o desejo é consumado, o ser humano fica feliz, gerando a sensação de regozijo. Em contrapartida, as sensações não são ad eternum. Subsequente ao alcance do desejo, o indivíduo é acometido por outro desejo; eis um movimento circular e imparável. Notadamente, incontáveis desejos não podem ser realizados, por conseguinte, o homo desidium cai no vazio existencial. Portanto, a vida transita entre a felicidade e a tristeza; a propósito, enfatizo com toda convicção que o homo desidium é um ser transitório. Precisamos ter a devida consciência e apreender a condição de transitoriedade para que possamos entender e absorver os dilemas da existência.

Insofismavelmente, o ser humano não evita a ação do desejo, o qual, é uma energia caótica e incompreensível. Façamos o seguinte questionamento: o homo desidium pode mitigar a ação supracitada? Ilustre Leitor, é muito difícil atingir uma resposta convincente para tal pergunta. Todavia, podemos apelar a Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX que viu na arte e no ascetismo possíveis meios para amenizar a pujança do desejo; percebe-se a tentativa de frear, temporariamente, o exacerbado impulso do desejo. Ora, não podemos iludir o outro sobre a viabilidade da aniquilação do desejo. Enfim, o homo desidium necessita aceitar o desejo e compreendê-lo como uma condição pertinente da existência. Questionemos: qual é a causa da felicidade e da tristeza? O desejo.

(Tosta Neto, 12/02/2023)

 

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