Sara, filha única, teve uma
educação familiar bastante rígida, porém seus pais não descuidaram da parte
afetiva que deve imperar no ambiente do lar. A família de Sara frequenta uma
Igreja Conservadora que tem fortes laços com a tradição judaica.
Na iminência de atingir 18 anos, no
3ºAno do Ensino Médio, Sara tinha uma rotina delimitada: estudos escolares,
aulas de música, exegese bíblica e cultos religiosos. Metódica, cumpria primorosamente
toda a agenda diária. Ademais, ela cativava a todos com seu jeito humilde e
prestimoso.
A jovem Sara era noiva de Elias,
namoro iniciado quando ela tinha 16 anos. As famílias dos noivos eram muito
próximas e partilhavam os mesmos preceitos religiosos. Elias tinha 19 anos e
era um exímio violinista, demonstrando todo o seu talento durante as cerimônias
religiosas:
– Amor, você gostou da minha
performance no culto de hoje?
– Gostei sim. Como sempre, você
tocou muito bem – responde Sara.
– Amanhã, estudarei novas canções a
partir de um livro que ganhei de presente.
– Presente?
– Sim. Presente do meu amigo de
infância Isaías.
– Certa vez, lembro-me, que você
falou sobre ele.
– Há tempos, ele mora em São Paulo.
Veio passar o período de férias aqui no interior. Isaías é o meu melhor amigo!
– Amizades verdadeiras devem ser
cultivadas e preservadas.
– Concordo plenamente contigo! Por
sinal, já estou indo, pois passarei na casa dos pais de Isaías para vê-lo.
– Está bem.
– Te vejo amanhã no culto. Boa noite!
– Boa noite! – beijinhos.
Sara acordou disposta. Começou o
dia com a leitura do Salmo 18.
Cumpriu metodicamente a agenda diária. Vestiu-se de forma elegante e enveredou
para o culto:
– Boa noite Amor.
– Boa noite.
– Apresento-te o amigo que te
falei. Eu o convidei para o culto de hoje.
– Prazer Sara!
– Prazer Isaías.
– Elias fala muito bem de você.
– Com certeza! – exclama Elias.
– Ainda bem – Sara emite um riso
tímido.
– Isaías, como você sabe, estamos
noivos. A data do nosso casamento já está marcada.
– Parabéns Sara e Elias.
– Obrigada.
– Obrigado Caro Amigo.
A conversa avançou uns minutos. Num
determinado momento, Sara sentiu um leve constrangimento e retirou-se. Rumou
para o banheiro do templo religioso. Olhou-se no espelho. Sentia um forte
calor. Lavou o rosto para amenizar o desconforto térmico. Ela parou a refletir.
Intentava compreender o que havia acontecido. Afogada em conjecturas e na
ausência de respostas, Sara foi buscar conforto espiritual na cerimônia
religiosa.
Logo após o culto, Sara não falou
com Elias e evadiu direto para casa. O semblante transbordava inquietação. Uma
vez mais, foi dominada por uma série de reflexões, sucedida por uma sufocante
insônia. A absorta garota ainda não conseguia processar o motivo de tal
sensação.
No culto seguinte, houve mais um
encontro entre os três jovens:
– Sara, o que aconteceu ontem? Você
foi para casa e nem falou comigo – admoesta Elias.
– Eu estava indisposta.
– Sara, percebi o quanto Elis ficou
preocupado.
– Pois é.
Intimamente, Sara não ficava
confortável com a presença de Isaías. Uma sensação estranha acometia o seu
âmago. Ela se sentia devorada pelo olhar discreto e profundo do amigo de seu noivo.
Cada segundo tinha o fardo da eternidade. Na solidão do quarto, pensava: “o que está acontecendo comigo? Essa
sensação é inédita para mim. Não consigo encontrar uma explicação lógica.
Senhor, conceda-me sabedoria para atingir uma resposta...”
Uns dias se passaram. Aparentemente,
Sara manifestava medo da tal resposta: “o
fato é que Isaías não me causa indiferença. Quando ele está próximo, um
nervosismo invade as minhas entranhas. Ó Deus de Israel, qual é a causa de
tamanho nervosismo? Será que estou...? Não. Não. Eu não posso. Eu sou noiva. Eu
sou noiva. A data do meu casamento já está marcada...”
– Olá Sara! Tudo bem?
– Tudo bem.
– Ultimamente, você vem se
ausentando no culto.
– Surgiram uns imprevistos.
– Cadê o Elias? – indaga o curioso
Isaías.
– Não pode vir.
– Saiba que eu adorei ter te
conhecido. Você é uma mulher encantadora!
– Obrigada – com rubor na face,
Sara responde meio desconcertada.
– Elias é um sortudo.
– Pois é.
– Há algo em você que me cativa.
Não sei bem explicar.
– Com licença. Preciso ir. Tchau.
Sara não voltou ao culto e seguiu para
casa. Entrou no quatro e ficou trancafiada. Submersa em pensamentos: “enquanto ele estiver aqui, diminuirei a
minha frequência nos cultos. ‘Há algo em você que me cativa.’ O que ele quis
dizer com esta frase? Infelizmente, há algo nele que também me cativa. Quando
Isaías se aproxima, fico sem chão. Meu Deus! Será que estou apaixonada? Eu não
posso. Se eu pudesse teria evitado tudo isso. Porém, foi espontâneo. Fui pega
de surpresa. Ele provoca em mim um turbilhão de sensações. Senhor, Vós sois
testemunha do quão a tua serva foi surpreendida. Os sentimentos não são
planejados e nem seguem uma trilha lógica...”
Sara tentava aniquilar o que vinha
sentindo. Ocupou ainda mais a mente, todavia, no final das contas, a imagem de
Isaías sempre aparecia na memória. Ela trazia um peso na consciência por causa
da condição de noiva, não obstante, tinha a convicção da naturalidade deste
sentimento proibido: “eu não forcei nada.
Surgiu de forma inesperada. Eu nunca senti algo tão forte e insano. É mais
forte que eu! Senhor, proteja-me desta tempestade...”
Certo dia, na saída da escola, Sara
foi surpreendida:
– Olá!
– Olá – responde Sara visivelmente
assustada.
– “Se Maomé não vai à montanha, a
montanha vai a Maomé.”
Subsequente ao “silêncio
ensurdecedor”:
– Sara, não consigo parar de pensar
em você. Desde o dia que te conheci, esta é a minha sina.
– Sem comentários.
Repentinamente, Isaías pegou na mão
de Sara. Ela estava pálida e estática. Sem forças, a garota não esboçou reação;
sentia-se acuada como uma presa diante dum terrível predador.
– Estou apaixonado por você. Antes
de voltar para São Paulo, desejo te encontrar.
Sara ficou muda. Isaías estava mui
ofegante. Ulterior a um tempinho, os jovens seguiram caminhos diametralmente
opostos.
Numa determinada noite, Elias não
compareceu ao culto. Isaías vislumbrou uma oportunidade:
– Sara, depois do culto, posso te
acompanhar até a tua casa?
– Sim.
– Grato! Fico lisonjeado. Até mais.
– Até.
A cerimônia dominical foi
finalizada:
– Sara, eu não paro de pensar em
você.
– Infelizmente, comungo com essa
sensação.
– Por que “infelizmente”?
– Você sabe muito bem o porquê.
– Sei sim.
– É melhor não falarmos sobre isso,
pois é muito constrangedor.
– Concordo contigo.
A noite progrediu paulatinamente. O
caminho até a casa de Sara estava “iluminado” pela escuridão. O coração da
garota batia bem acelerado. Isaías apertou a sua mão e disparou um terno beijo
no rosto. Sem delongas, os jovens se beijaram por longuíssimos segundos. Sara
sentia o corpo elevar-se para um mundo desconhecido; uma atração física
arrebatadora a dominou. Ela abraçou Isaías com todas as forças...
– Sara, na terça-feira, estarei
voltando para São Paulo. Amanhã, eu desejaria me despedir de você.
– Não vá. Não me deixe.
– As minhas férias estão
terminando. Necessito retornar ao trabalho.
– Tudo bem.
– Iremos nos encontrar?
– Claro!
– Horário e local?
– Às 19h30, no jardim da Praça
Nelson Rodrigues.
– Combinado. Boa noite. Até amanhã!
– Até amanhã!
Na companhia do quarto, Sara
comentava: “que sensação maravilhosa!
Ainda não havia experimentado algo tão estonteante. Os beijos dele me levaram
para outro plano. Pela primeira vez, um desejo sexual incontrolável apoderou-se
do meu corpo. Amanhã será a nossa despedida. Aproveitarei intensamente cada
segundo...”
– Boa noite Sara. O dia passou
muito devagar.
– Com certeza!
– Eu vim no carro do meu pai.
Estacionei numa rua escura logo ali.
– Certo Isaías. Irei te seguir à
distância com toda discrição.
Uns minutos esvaíram:
– Iremos para um lugar discreto e
aconchegante – informa Isaías.
– Tudo bem.
– Lá, ninguém irá nos incomodar.
– Perfeito.
Brevíssimo silêncio. Beijos suaves.
Elevação da temperatura. Beijos mais intensos. Línguas entrecruzadas. Roupas
atiradas ao chão. Sara esbanja insegurança. Isaías a tranquiliza. Os beijos
regressam à suavidade. A inexperiente garota angaria um pouco de confiança.
Cada movimento é calculado milimetricamente. O coração feminino saboreia uma
sensação mista de medo e curiosidade. Um agudo e prazeroso grito de dor emana
no espaço. O sangue escorre manchando o lençol branco...
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