sábado, 1 de agosto de 2020

CASADA E CARENTE (TOSTA NETO)


# Olá Amiga. Tudo bem?

# Estou ótima. E você?

# Mais ou menos.

# O que aconteceu?

# Preciso conversar contigo!

# Estou a tua disposição.

# Obrigada Mariana.

# Por nada Laura.

# Você é a minha melhor amiga. (Emojis de coração)

# Idem.

# Amanhã, te envio uma mensagem para confirmar o horário e o local da nossa conversa.

# Combinado.

# Até amanhã. Boa noite. Durma bem. (Emojis de beijo)

# Boa noite. Até! (Emojis de beijo e coração)

Burburinhos de bate-papo. Voz e violão. Mesas de madeira. Copos de whisky. O garçom serve uma pizza napolitana. Um casal apaixonado saboreia pastéis de camarão. Na mesa ao lado, Laura degusta um bom vinho da Serra Gaúcha:

– Amiga, perdoe-me pelo atraso. Tive uns contratempos.

– Sem problema – responde Laura.

– Como foi o teu dia?

– Puxado. Trabalhei o dia inteiro na clínica.

Laura chama o garçom e solicita um copo:

– Te acompanharei no vinho.

– Ótimo.

– Laura, o que aconteceu?

– Robson.

– Ele fez o quê? – indaga Mariana.

– Como você sabe, já temos dois anos de casados. Parece que são duzentos anos. Meu casamento é um tédio completo!

– Tédio?

– Sim! Robson é muito acomodado: não me convida para sair, acorda meio-dia e fica o tempo todo no computador jogando Free Fire com os amigos.

– Você o chama para sair?

– Quando eu o chamava, sempre vinha com a mesma resposta: “daqui a pouco, vou jogar”. Cansei de chamar. Não chamo mais.

– Lamentável.

– Os amigos de Robson são uns babacas. Um bando de preguiçosos. Ele está indo pelo mesmo caminho. Eu consegui um trabalho para ele numa empresa de serviços de tecnologia. Salário bom. Não ficou duas semanas e pediu demissão.

– Que pena – lastima Mariana.

– Ele é preguiçoso, um autêntico caiçara! Para piorar a situação, fica o dia todo em casa e não para de comer. Já está ficando barrigudo. Eu o incentivei a entrar na academia e pagaria as mensalidades, mas ele respondeu: “vou não. Tenho preguiça”.

– Que questão espinhosa Minha Amiga. Nem sei o que te dizer.

– Quando casamos, ele era um homem encantador, esbanjava disposição e tinha muitos projetos de vida. Depois do casamento, tudo mudou. “O príncipe virou um sapo”.

– Laura, talvez ele tenha ficado deslumbrado com tua profissão.

– É uma possibilidade. Antes do casamento, eu estava completamente apaixonada. A maldita paixão tem o poder de cegar as pessoas.

– É fato.

– Amiga, fale a verdade. Sou uma mulher sem graça?

– De jeito nenhum! Você é uma mulher charmosa e inteligente. Médica renomada na nossa região. Você é o sonho de qualquer homem – afirma Mariana esbanjando sinceridade.

– Amiga, eternamente grata pelas palavras! Fico lisonjeada – agradece Laura com rubor no semblante.

– Só falei a verdade. Ah! Posso te fazer uma pergunta indiscreta?

– Faça. Fique à vontade.

– E na cama?

– É algo meio forçado, principalmente de minha parte. Ele é previsível demais na cama. No início era até bom, depois relaxou. Não tem mais aquela pegada. Será que o problema está em mim? Amiga, eu estou feia?

– Claro que não! Você está linda e gostosa – risos de ambas as partes.

– Eu até comprei umas lingeries bem provocantes para incendiá-lo, porém esta estratégia não surtiu efeito. Outro problema: a iniciativa sexual é sempre minha. Às vezes, chego cansada e deito mais cedo, desejando uma massagem bem relaxante. Robson nem vem ficar comigo; prefere jogar Free Fire com os babacas.

– Amiga, o segredo é o diálogo.

– Já tentei conversar várias vezes. Ele sempre vem com a mesma desculpa esfarrapada.

– Que pena.

– Pois é Mariana, tua amiga está “num beco sem saída”.

– Saiba que torço pela tua felicidade. Você é uma amiga 10! – exclama Mariana de forma efusiva.

– Obrigada!

– Por nada!

– E o teu casamento?

– Graças a Deus, tudo em paz.

– Fico feliz por você – responde Laura demonstrando alegria na face.

Laura e Mariana adentraram a noite e o diálogo se enveredou para um tom mais ameno. A médica chegou bem tarde em casa e Robson estava acordado:

– Ainda acordado?!

– Estou jogando Free Fire.

– Você poderia procurar algo mais útil para fazer. Tenha coragem e vá para luta. Procure um trabalho. Como diria o poeta: “sem o seu trabalho, o homem não tem honra”.

– Amanhã, irei procurar um trabalho.

– Resposta repetitiva: “amanhã, amanhã...”. Saiba que o amanhã nunca chega. O tempo está passando e você não está construindo nada para sua vida.

– Não é bem assim – replica Robson.

– Você ainda tem a audácia de contestar.

– Você está sendo muito severa comigo.

– Severa?! Estou falando a verdade. Vou te fazer uma pergunta bem simples.

– Faça.

– Qual é a imagem que a sociedade tem sobre você?

– Não sei.

– Você é apenas o esposo da doutora Laura. Vou dormir. Fique aí jogando Free Fire com esses babacas.

– Tchau! Tchau! – retruca Robson dominado pela impaciência.

– Amanhã, irei procurar um pedreiro para fazer a reforma da nossa casa. Bem que você poderia fazer isso. Ah! Esqueci. Você não tem tempo. Acorda meio-dia.

Laura acordou às 8h30. Tomou café e foi procurar um pedreiro. Concluída determinada incumbência, rumou para clínica. Posterior a jornada diária de labor, chegando em casa:

– Já consegui o pedreiro. Ele virá amanhã.

– Está bem – responde Robson.

No fundo do âmago, Laura amadurecia uma concepção estoica sobre o casamento. Robson era assim, logo não poderia lutar contra a natureza. Decidiu mergulhar ainda mais no trabalho e desfrutar as raras e valiosíssimas amizades. Intensificou a leitura de obras literárias, sobretudo os franceses do século XIX. Laura cogita o estudo sistemático de outra especialização médica; precisava ampliar o seu leque profissional. Certo dia, antes de ir para o trabalho:

– Bom dia Seu José.

– Bom dia doutora.

– Como está indo a reforma?

– Tudo caminhando bem. Graças a Deus!

– Ótimo!

– A casa vai ficar ainda mais linda.

– Não me surpreendo. Recebi boas referências do senhor.

– Obrigado doutora – Seu José emite um riso tímido.

– Por nada.

– Pedrinho, por favor, traga a massa.

– Quem é Pedrinho?

– Meu filho. Ele é o meu ajudante.

– Bom dia doutora.

– Bom dia Pedrinho!

– Estou indo para a clínica. Bom trabalho!

– Obrigado doutora.

– Obrigado – resposta Pedrinho.

Duas semanas foram consumadas. Laura teve uma folga e passou o dia em casa, podendo observar mais de perto a reforma; não só a reforma. Ela ficou admirada com o vigor físico de Pedrinho. Pensou: “ele é forte. Aparenta ter 18 anos. É nítido o carinho dele pelo pai e a dedicação ao trabalho”. A reforma prosseguia: quando caiu em si, Laura percebeu que Pedrinho já era um habitante frequente de seus pensamentos.

Cotidianamente, Laura conferia a reforma, conversava com Seu José e, por tabela, encarava Pedrinho com discreta atenção. Qualquer olhar só tem a continuação se houver a recíproca. Desconcertado, Pedrinho devolvia os olhares de Laura.

A vida da médica angariou o viço da curiosidade. O novo tem o poder arrebatador de atração. Inegavelmente, o filho de Seu José a atraía, todavia Laura sentia o peso da culpa pelo fato de ser casada. A culpabilidade era amenizada pela crise matrimonial, potencializada pela ausência de uma perspectiva de mudança por parte de Robson. Laura se afogou numa abissal e incômoda crise existencial. Resolveu desabafar com Mariana:

– Amiga, foi isso que aconteceu. Estou angustiada.

– Laura, não irei te aconselhar para não cair no moralismo. Simplesmente, siga o teu coração.

– Estou muito carente!

– Qual é o teu desejo?

– Não te responderei verbalmente, mas seguirei o meu instinto.

– Boa sorte! Vá em frente.

No horizonte, o sol desponta, escala o dossel e brilha intensamente. Laura acordou disposta. Tomou café e verificou a reforma. De forma sutil, entregou um bilhete para Pedrinho. Prezador Leitor, não revele o conteúdo do bilhete:

Desejo muito te conhecer. Hoje à noite, às 8h00, espere-me na Travessa Madame Bovary. Pelo amor de Deus, não conte para ninguém.

Pedrinho leu o bilhete e fez um leve movimento facial em tom de concordância. Laura respondeu com um belo sorriso e foi cumprir mais um honrado dia de trabalho.




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