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Estou ótima. E você?
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Mais ou menos.
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O que aconteceu?
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Preciso conversar contigo!
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Estou a tua disposição.
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Obrigada, Mariana.
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Por nada Laura.
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Você é a minha melhor amiga. (Emojis de coração)
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Idem.
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Amanhã, te envio uma mensagem para confirmar o horário e o local da nossa conversa.
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Combinado.
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Até amanhã. Boa noite. Durma bem. (Emojis de beijo)
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Boa noite. Até! (Emojis de beijo e coração)
Burburinhos
de bate-papo. Voz e violão. Mesas de madeira. Copos de whisky. O garçom serve
uma pizza napolitana. Um casal apaixonado saboreia pastéis de camarão. Na mesa
ao lado, Laura degusta um bom vinho da Serra Gaúcha:
–
Amiga, perdoe-me pelo atraso. Tive uns contratempos.
–
Sem problema – responde Laura.
–
Como foi o teu dia?
–
Puxado. Trabalhei o dia inteiro na clínica.
Laura
chama o garçom e solicita um copo:
–
Te acompanharei no vinho.
–
Ótimo.
–
Laura, o que aconteceu?
–
Robson.
–
Ele fez o quê? – indaga Mariana.
–
Como você sabe, já temos dois anos de casados. Parece que são duzentos anos.
Meu casamento é um tédio completo!
–
Tédio?
–
Sim! Robson é muito acomodado: não me convida para sair, acorda meio-dia e fica
o tempo todo jogando Free
Fire com os amigos.
–
Você o chama para sair?
–
Quando eu o chamava, sempre vinha com a mesma resposta: “daqui a pouco, vou
jogar”. Cansei de chamar. Não chamo mais.
–
Lamentável.
–
Os amigos de Robson são uns babacas. Um bando de preguiçosos. Ele está indo
pelo mesmo caminho. Eu consegui um trabalho para ele numa empresa de serviços
de tecnologia. Salário bom. Não ficou duas semanas e pediu demissão.
–
Que pena – lastima Mariana.
–
Ele é preguiçoso, um autêntico caiçara! Para piorar a situação, fica o dia todo
em casa e não para de comer. Já está ficando barrigudo. Eu o incentivei a
entrar na academia e pagaria as mensalidades, mas ele respondeu: “vou não.
Tenho preguiça”.
–
Que questão espinhosa, Minha Amiga. Nem sei o que te dizer.
–
Quando casamos, ele era um homem encantador, esbanjava disposição e tinha
muitos projetos de vida. Depois do casamento, tudo mudou. “O príncipe virou um
sapo”.
–
Laura, talvez ele tenha ficado deslumbrado com tua profissão.
–
É uma possibilidade. Antes do casamento, eu estava completamente apaixonada. A
maldita paixão tem o poder de cegar as pessoas.
–
É fato.
–
Amiga, fale a verdade. Sou uma mulher sem graça?
–
De jeito nenhum! Você é uma mulher charmosa e inteligente. Médica renomada na
nossa região. Você é o sonho de qualquer homem – afirma Mariana esbanjando sinceridade.
–
Amiga, eternamente grata pelas palavras! Fico lisonjeada – agradece Laura com
rubor no semblante.
–
Só falei a verdade. Ah! Posso te fazer uma pergunta indiscreta?
–
Faça. Fique à vontade.
–
E na cama?
–
É algo meio forçado, principalmente de minha parte. Ele é previsível demais na
cama. No início era até bom, depois relaxou. Não tem mais aquela pegada. Será
que o problema está em mim? Amiga, eu estou feia?
–
Claro que não! Você está linda e gostosa – risos de ambas as partes.
–
Eu até comprei umas lingeries bem provocantes para incendiá-lo, porém esta
estratégia não surtiu efeito. Outro problema: a iniciativa sexual é sempre
minha. Às vezes, chego cansada e deito mais cedo, desejando uma massagem bem
relaxante. Robson nem vem ficar comigo; prefere jogar Free Fire com os babacas.
–
Amiga, o segredo é o diálogo.
–
Já tentei conversar várias vezes. Ele sempre vem com a mesma desculpa
esfarrapada.
–
Que pena.
–
Pois é Mariana, tua amiga está “num beco sem saída”.
–
Saiba que torço pela tua felicidade. Você é uma amiga 10! – exclama Mariana de
forma efusiva.
–
Obrigada!
–
Por nada!
–
E o teu casamento?
–
Graças a Deus, tudo em paz.
–
Fico feliz por você – responde Laura demonstrando alegria na face.
Laura
e Mariana adentraram a noite e o diálogo se enveredou para um tom mais ameno. A
médica chegou bem tarde em casa e Robson estava acordado:
–
Ainda acordado?!
–
Estou jogando Free Fire.
–
Você poderia procurar algo mais útil para fazer. Tenha coragem e vá para luta.
Procure um trabalho. Como diria o poeta: “sem o seu trabalho, o homem não tem
honra”.
–
Amanhã, irei procurar um trabalho.
–
Resposta repetitiva: “amanhã, amanhã...”. Saiba que o amanhã nunca chega. O
tempo está passando e você não está construindo nada para sua vida.
–
Não é bem assim – replica Robson.
–
Você ainda tem a audácia de contestar.
–
Você está sendo muito severa comigo.
–
Severa?! Estou falando a verdade. Vou te fazer uma pergunta bem simples.
–
Faça.
–
Qual é a imagem que a sociedade tem sobre você?
–
Não sei.
–
Você é apenas o esposo da doutora Laura. Vou dormir. Fique aí jogando Free Fire com esses babacas.
–
Tchau! Tchau! – retruca Robson dominado pela impaciência.
–
Amanhã, irei procurar um pedreiro para fazer a reforma da nossa casa. Bem que
você poderia fazer isso. Ah! Esqueci. Você não tem tempo. Acorda meio-dia.
Laura
acordou às 8h30. Tomou café e foi procurar um pedreiro. Concluída determinada
incumbência, rumou para clínica. Posterior a jornada diária de labor, chegando
em casa:
–
Já consegui o pedreiro. Ele virá amanhã.
–
Está bem – responde Robson.
No
fundo do âmago, Laura amadurecia uma concepção estoica sobre o casamento.
Robson era assim, logo não poderia lutar contra a natureza. Decidiu mergulhar
ainda mais no trabalho e desfrutar as raras e valiosíssimas amizades.
Intensificou a leitura de obras literárias, sobretudo os franceses do século
XIX. Laura cogita o estudo sistemático de outra especialização médica;
precisava ampliar o seu leque profissional. Certo dia, antes de ir para o
trabalho:
–
Bom dia, Seu José.
–
Bom dia, doutora.
–
Como está indo a reforma?
–
Tudo caminhando bem. Graças a Deus!
–
Ótimo!
–
A casa vai ficar ainda mais linda.
–
Não me surpreendo. Recebi boas referências do senhor.
–
Obrigado, doutora – Seu José emite um riso tímido.
–
Por nada.
–
Pedrinho, por favor, traga a massa.
–
Quem é Pedrinho?
–
Meu filho. Ele é o meu ajudante.
–
Bom dia, doutora.
–
Bom dia, Pedrinho!
–
Estou indo para a clínica. Bom trabalho!
–
Obrigado, doutora.
–
Obrigado – resposta Pedrinho.
Duas
semanas foram consumadas. Laura teve uma folga e passou o dia em casa, podendo
observar mais de perto a reforma; não só a reforma. Ela ficou admirada
com o vigor físico de Pedrinho. Pensou: “ele
é forte. Aparenta ter 18 anos. É nítido o carinho dele pelo pai e a dedicação
ao trabalho”. A reforma prosseguia: quando caiu em si, Laura percebeu que
Pedrinho já era um habitante frequente de seus pensamentos.
Cotidianamente,
Laura conferia a reforma, conversava com Seu José e, por tabela, encarava
Pedrinho com discreta atenção. Qualquer olhar só tem a continuação se houver a
recíproca. Desconcertado, Pedrinho devolvia os olhares de Laura.
A
vida da médica angariou o viço da curiosidade. O novo tem o poder arrebatador
de atração. Inegavelmente, o filho de Seu José a atraía, todavia Laura sentia o
peso da culpa pelo fato de ser casada. A culpabilidade era amenizada pela crise
matrimonial, potencializada pela ausência de uma perspectiva de mudança por parte
de Robson. Laura se afogou numa abissal e incômoda crise existencial. Resolveu
desabafar com Mariana:
–
Amiga, foi isso que aconteceu. Estou angustiada.
–
Laura, não irei te aconselhar para não cair no moralismo. Simplesmente, siga o
teu coração.
–
Estou muito carente!
– Qual é o teu desejo?
– Não te responderei verbalmente, mas seguirei o meu instinto.
–
Boa sorte! Vá em frente.
No
horizonte, o sol desponta, escala o dossel e brilha intensamente. Laura acordou
disposta. Tomou café e verificou a reforma. De forma sutil, entregou um bilhete
para Pedrinho. Prezador Leitor, não revele o conteúdo do bilhete:
Desejo muito te conhecer. Hoje à noite, às 8h, espere-me na Travessa Madame Bovary. Pelo amor de Deus, não conte para ninguém.
Pedrinho leu o bilhete e fez um leve movimento facial em tom de concordância. Laura respondeu com um belo sorriso e foi cumprir mais um honrado dia de trabalho.
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